31 de outubro de 2010

Jabotiana: O último bairro verde de Aracaju

Este artigo foi publicado pela imprensa local (Ver fonte no rodapé) em fevereiro de 2008. O autor distribuiu algumas dezenas de fotocopias a amigos e conhecidos do Bairro Jabotiana, fator que causou repercussão surpreendente e fomentou discussões que levaram à criação da Sociedade Jabotiana Viva. O título do artigo transformou-se em um verdadeiro jargão entre muitos moradores do BJ. O texto a seguir foi revisado e atualizado pelo autor. 

Arquivo: Jabotiana Viva
Novos condomínios ao oeste do conjunto Santa Lúcia avançando sobre a vegetação

O bairro Jabotiana é localizado na zona oeste de Aracaju, faz fronteira, ao norte, com o bairros Capucho e América; ao sul com o São Conrado; ao leste com o Inácio Barbosa e o Ponto Novo; e ao oeste com o município de São Cristóvão. Integra os conjuntos habitacionais Sol Nascente, JK e Santa Lúcia; as comunidades Rua da Jabotiana e Largo da Aparecida; vários condomínios do PAR, entre eles: Vila Vitória, Vila Velha e Santa Fé; cerca de uma dezena de condomínios privados, entre eles: Belo Horizonte, Residencial Caminho do Sol, Terra do Sol, Residencial Santa Lúcia, Vitória Régia, Canto Belo e Reserva das Flores; o loteamento Jardim dos Coqueiros. O povoado Aloque não foi citado, por pertencer ao município de São  Cristóvão. 
Segundo Armindo Guaraná (em Etymologia de Nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de Sergipe, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Volume 03. No ano de 1916. Pg. 310), a Jabotiana era “ponto de juncção dos rios Pitanga e Poxim”.
O significado etimológico do termo tupi “Jabotiana” é: jaboti= cágado d’água + ana=  nascer, surgir ou aparecer. Lugar onde nasce ou aparece cágado d’água. (TIBIRIÇÁ, Luiz Caldas. Dicionário Tupi Português. 2ª Ed. São Paulo: Traço Editora, 1984.). Significado confirmado pela geografia local, onde ocorre rios, riachos e lagoas, o habitat natural daquela espécie de quelônio.
O jornalista e escritor Mário Cabral (em Roteiro de Aracaju. 3ª ed. Aracaju: Banese, 2001, pg. 49, publicado em 1ª edição no ano de 1948), informa sobre a existência de uma macumba [Terreiro de Candomblé] ao lado da Lagoa da Jabotiana. Mais adiante afirma poeticamente: A Lagoa da Jabotiana, à luz do luar, será uma moeda de prata perdida na crosta escura da terra (pg. 51).
Apesar da urbanização avassaladora, do avanço célere do concreto e do asfalto desde o final da década de 1970, o bairro ainda mantém grande parte de sua área verde e natural: ocorre vegetação de manguezal; resquícios de mata atlântica com uma fauna razoavelmente diversificada, na qual se destacam pássaros de várias espécies, répteis e macacos; coqueirais farfalhantes ao vento; água em abundância nos seus rios (Poxim e Pitanga), riachos, lagoas (Doce e Jabotiana ou Areal) e brejos emoldurados de plantas aquáticas (capins taludos, taboa e ninféias); sítios com árvores frutíferas e frondosas a fornecerem mangas doces e cheirosas, jacas robustas, cajus graúdos e cocos com água “salobra”; belos mirantes de barreiro vermelho com vistas deslumbrantes, a exemplo da localização do cemitério parque Colina da Saudade e da Colina do Reservatório R6 da DESO. 
  Porém tudo isso pode está com seus dias contados. Grande parte da área natural do bairro pertence a construtoras, as quais delimitaram o local como sendo de expansão residencial de classe média.
Embora existam comunidades onde impera a pobreza, a exemplo do Largo da Aparecida, essas comunidades instaladas em uma área onde o solo é bastante valorizado, a tendência é também desaparecerem através do “fenômeno” sócio-econômico da “expulsão branca”: os moradores recebem boas ofertas por seus imóveis (terrenos), vende-os e migram para outros bairros mais pobres. No lugar daqueles casebres levantam-se condomínios fechados ou loteamentos para estratos sociais mais elevados.
Não obstante a preocupação de muitos moradores sensíveis e das manifestações populares em defesa do meio ambiente natural, o avanço do concreto é rápido e devastador sobre o último bairro verde de Aracaju.
O dilema está posto. A população, sempre crescente, precisa de moradia. E a mesma população precisa de ar puro, de áreas de lazer, de verde e de água limpa. Precisa minimizar o estresse de viver apinhada na selva de pedra, em ambientes urbanos sufocantes e barulhentos, nos quais a qualidade de vida é amplamente questionável.
O solo urbano não é somente mercadoria. As organizações de moradores e os conselhos comunitários do bairro precisam se movimentar. Os poderes municipais devem intervir, e não contemporizarem. O pensamento prioritário deve ser o bem estar da população da cidade. Os moradores devem ser ouvidos. É necessária a delimitação da malha urbana na Jabotiana, quais as áreas a serem preservadas, qual o uso a dar a elas. Em fim, ser desenvolvida uma política consistente de urbanização humanizante e ambientalmente equilibrada para o BJ e consequentemente para Aracaju.
O Conselho Estadual de Cultura também deve fazer a sua parte, iniciando um processo de tombamento da área em questão como monumento paisagístico a ser preservado oficialmente, integrando o mesmo ao Patrimônio Cultural do povo sergipano.
A idéia da criação de uma reserva ecológica, preservando aquela grande área natural se faz oportuna. Por que não uma reserva ecológica na zona leste da cidade, com passeios para excursionistas, parque infantil, museu natural, quiosques nos mirantes, entre outros equipamentos. Uma reserva/parque com múltiplas funções: preservação, pesquisa, educação, lazer, para a climatização e renovação do ar da cidade, permeabilização do solo contribuindo para evitar enchentes e melhorando a qualidade de vida.
São urgentes as atitudes acima propostas, antes que seja tarde demais, para que o último bairro verde de Aracaju continue com algumas de suas belas características naturais e a qualidade de vida da população seja preservada. Que a “Lagoa da Jabotiana” não seja, no futuro próximo, uma moeda enferrujada engolida pela crosta cinzenta de concreto e de asfalto.

Fonte: CORRÊA, Antônio Wanderley de Melo. Jabotiana: O último bairro verde de Aracaju. Aracaju: Cinform, 18 a 24 de fevereiro de 2008. Ed. 1297. Cad. 01. Pg 02.


27 de outubro de 2010

As lagoas do Bairro Jabotiana

Antônio Wanderley de Melo Corrêa*


Lagoa do Areal (ou Lagoa da Jabotiana): Avanço da construção civil em suas margens


O termo “lagoa” vem da expressão latina lacuna, que significa poça ou brejo. Geograficamente, é um pequeno corpo de água de ambiente fechado com pouco fluxo, porém não estagnada. É um pequeno lago ou pântano, formado em uma depressão do terreno, onde ocorre alagamento alimentado por chuvas, aquíferos ou vazante de algum rio ou mar. Existem também lagoas artificiais, feitas pela ação humana.
            O Bairro Jabotiana localiza-se na zona oeste de Aracaju. Seus limites são: avenida Tancredo Neves(leste), a fronteira com São Cristóvão(oeste), a avenida Marechal Rondon(norte), o riacho Grageru, o rio Poxim e a ferrovia(sul).    É “o último bairro verde de Aracaju”, em virtude do grande elenco de elementos naturais ainda existentes: manguezais, mata atlântica, brejos, o rio Poxim com seus riachos tributários e duas lindas lagoas: Jabotiana e Doce(ou Rio Doce).
            A lagoa Jabotiana deu nome à primeira comunidade daquela área e ao bairro inteiro. É também conhecida como Lagoa do Areal, pela existência de areia branca em suas margens.
            O topônimo “Jabotiana” vem do tupi: jaboti = cágado + rana = nascer, surgir. Ou seja: onde nasce o cágado. A Biologia informa que o cágado d’água vive e se reproduz em água limpa e tranqüila, sem muita correnteza. Assim, a toponímia é confirmada nas características naturais do local.
            A lagoa Jabotiana localiza-se em direção ao norte do conjunto Santa Lúcia, entre a colina do reservatório R 6 da DESO e a Cidade Universitária Dr. Aloísio de Campos da UFS. É cruzada pela linha imaginária que divide os municípios de Aracaju e São Cristóvão. Sua metade oeste pertence a São Cristóvão e a metade leste a Aracaju.
            Aquela ocorrência natural é envolta por um denso manguezal e por barrancas de areia branca, contando com uma fauna rida. É uma vazante do rio Poxim em sua área estuarina.
Aos domingos e feriados é local de lazer aquático para famílias de bairro circunvizinhos, a exemplo do América, do Santos Dumont e até mesmo do Rosa Elze em São Cristóvão. Pescadores usam canoas e redes para realizarem sua atividade de trabalho, retirando tilápias e bagres de suas águas. Aquela lagoa possui grande profundidade, provocada pela dragagem do leito para a retirada de areia lavada. Fato que tem causado, ao longo dos anos, mortes de crianças por afogamento.
As agressões ambientais de maior ocorrência e impacto são: a retirada da areia branca de suas margens e leito e o avanço da construção civil. Condomínios do PAR e particulares estão sendo erguidos bem próximos ao seu manguezal, a exemplo do José Rosa de Oliveira Neto e do Montserrat.
Pelo fato da lagoa Jabotiana ou Areal ser cortada pela linha imaginária da fronteira entre Aracaju e São Cristóvão, a área é uma espécie de “terra de ninguém”, logo a responsabilidade pela sua preservação cabe ao Governo do Estado.
A lagoa Doce ou Rio Doce se encontra ao sul do conjunto Santa Lúcia, no início da margem esquerda da estrada de acesso ao loteamento Jardim dos Coqueiros (Aracaju) e ao povoado Aloque (São Cristóvão). A vegetação de seu entorno é rasteira e arbustiva. Tem aproximadamente um terço do tamanho da lagoa Jabotiana. Sua denominação “Doce” talvez se deva ao fato de sua água não ser salobra como as outras águas daquela área. 
A principal agressão à lagoa Doce é o depósito gradativo de cascalho de restos de construções, próximo as suas margens, para a realização de aterros.
O Novo Código Florestal (Lei 4.771/65) determina no seu Artigo: 2º - Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: [...] b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais.
A solução única e definitiva, para impedir a degradação daquelas ocorrências naturais, é a criação de uma reserva ecológica estadual envolvendo as águas do Poxim, de seus riachos afluentes e das lagoas, a vegetação ciliar desses corpos de água, além da mata atlântica nas proximidades do povoado Aloque. Reserva esta com funções de preservação, pesquisa, educação e lazer. Os benefícios sócio-ambientais para os dois municípios serão grandes. Do contrário ...    

(*) Professor de História das redes públicas estadual (SEED) e municipal (SEMED/PMA) e morador do Bairro Jabotiana

Fonte: “Jornal do Dia”. 23 jun. 2010. Pg. 04.

No Bairro Jabotiana: manguezal morto ou assassinado?

Antônio Wanderley de Melo Corrêa*




             Manguezal é um ecossistema costeiro entre o continente e o ambiente marinho, sujeito à influência da maré. Ocorre em baías, lagunas e estuários de rios. Oferece abrigo, alimento e local para a reprodução de grande diversidade de espécies da fauna marinha, terrestre e aérea. Rico em nutrientes, o manguezal contribui para a produtividade pesqueira e protege a costa contra a erosão e a retenção de sedimentos, além de estabilizar as margens. O vegetal característico do manguezal é o mangue. No Brasil, as espécies mais comuns são o mangue-branco, o mangue-vermelho e o mangue-siriúba. (Adaptado de TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século 21. São Paulo: Autores Associados, 2008.). Dito isto, vamos aos fatos.
            A partir de 2007, uma área de aproximadamente 3.500 m² ao noroeste do conjunto Santa Lúcia, no Bairro Jabotiana - BJ, sofreu um grande aterro feito por construtoras, para a edificação dos condomínios Residencial Santa Lúcia, Residencial Vitória Régia, Residencial Costa do Sol e Residencial Rio Poxim, além de outros para o futuro próximo.
            Aquela área era de vazante do rio Poxim e envolta por manguezais. As águas daquele rio, em excesso nos períodos de cheia, chegavam até ali através do canal da avenida Coronel Sizino da Rocha pelo sul, e por outro canal, pelo norte, paralelo à praça Iselte Fernandes Azevedo do conjunto Santa Lúcia.
            Pouco tempo depois da execução do aterro para a construção dos citados condomínios, o manguezal do lado norte daquela área, começou a “secar”, de verde tornou-se cinza, ou seja, começou a morrer, possivelmente desidratado, sem a água salobra fundamental para a sua existência. Morreu, ou foi assassinado?
            Como foi dito acima, o manguezal é uma vegetação estuarina fundamental para a vida e a reprodução de muitas espécies da fauna marinha, climatiza e renova o ar das áreas próximas, além de ser barreira natural para o avanço das marés altas, contribuindo para evitar enchentes, tão temidas entre os moradores das áreas baixas dos conjuntos JK e Santa Lúcia do BJ.  
            A Constituição Federal (Art. 225º. Parágrafos I, III, IV e VII ) e a Constituição Estadual (Art. 233º - São áreas de proteção permanente, conforme dispuser a lei os manguezais [Destaques nossos], as dunas, as áreas remanescentes de Mata Atlântica, as cabeceiras de mananciais, as áreas de desova de tartarugas marinhas, a serra de Itabaiana, as matas ciliares, todas as áreas que abriguem espécies raras das faunas e da flora, bem como aquelas que sirvam como local de pouso ou reprodução de espécies migratórias.) fazem defesa genérica do meio ambiente.
O Código Florestal ou Lei Federal 4771/65, no Artigo 2º, considera de preservação permanente todas as formas de vegetação natural. A Lei Federal 9605/98 de Crimes Ambientais, no Artigo 38º, determina pena de um a três anos de detenção para quem destrói ou danifica vegetação de preservação permanente.
Diante do exposto, a ADEMA e a Delegacia Especial do Meio Ambiente e o Ministério Público do Meio Ambiente devem agir de acordo com a competência de cada um: estudos técnicos, investigação, intervenção e processo e punição por crime ao meio ambiente junto aos responsáveis.
            As leis de proteção ao meio ambiente e de punição aos seus agressores, como as demais, são feitas para serem cumpridas, doa a quem doer.

(*) É professor de História das redes públicas estadual (SEED) e municipal(SEMED\PMA).